Todos os brasileiros aprendem na escola
que d. Pedro I proclamou a Independência nas “margens plácidas” do
Ipiranga no dia 7 de setembro de 1822. A data, porém, não foi
reconhecida imediatamente como o dia da Independência. Havia outras,
mais apropriadas para um Império, principalmente o dia 12 de outubro,
data da aclamação do primeiro imperador e também seu aniversário. Até
1826, esta foi mais importante do que a do Grito do Ipiranga.
Naquele
ano, o novo parlamento imperial designou cinco dias de festividade
nacional, entre eles, Sete de Setembro e Doze de Outubro, que durante
alguns anos foram considerados datas de igual importância.
Como se comemorava então os dias de
festejo nacional na Corte, a capital do Império? Havia comemorações
oficiais: uma grande parada das Forças Armadas (Exército, milícias e,
depois de 1831, Guarda Nacional); um Te Deum (ofício religioso de ação
de graças) na capela imperial; um cortejo e beija-mão no Paço da cidade.
À noite, os habitantes costumavam iluminar as janelas das suas casas
com velas ou lâmpadas de azeite, enquanto o imperador e boa parte da
sociedade assistia a um espetáculo de gala em um dos teatros da cidade. O
espetáculo sempre começava logo após a chegada do imperador e da
imperatriz, saudados pela orquestra ou a companhia que tocava ou cantava
o Hino da Independência ou o Hino Nacional, que tinha uma letra
diferente da atual e nem sempre cantada nos eventos. Durante a parada e
no início do espetáculo, dava-se vivas à Independência e ao monarca e,
no teatro, poetas liam sonetos e outros versos comemorativos do dia
durante os intervalos.
Estes festejos tinham fins políticos
específicos. A parada mostrava o poder do Estado e arregimentava
publicamente os cidadãos alistados na Guarda Nacional (composta de
homens cuja renda alcançava a mínima requerida pela Constituição para o
exercício da cidadania). No Te Deum, dava-se graças ao Todo-pode-roso.
No cortejo, o corpo diplomático, as altas autoridades e boa parte da
elite cumprimentavam o imperador e, ao beijar-lhe a mão (antigo costume
português), mostravam seu respeito e reverência. No teatro, o imperador e
a elite aproximavam-se, unidos no patriotismo. Os elogios reiteravam
esta interpretação: Pedro I, segundo José Pedro Fernandes, um dos poetas
“oficiais” do Primeiro Reinado:
“Fez abrolhar no solo Brasileiro
Todos os dons, os elementos todos
Da glória, do Heroísmo, e da Fortuna”
O aparente consenso em torno das duas
datas de festejo nacional foi rompido em 1830 pela atuação dos Moderados
e dos Exaltados, os grupos de liberais que contestavam as tendências
cada vez mais autoritárias do imperador. Como parte da sua campanha,
eles organizaram uma comemoração do Sete de Setembro na Praça da
Constituição, atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, “onde um luzido
e numerosíssimo concurso de homens, e senhoras se detiveram desde o
anoitecer do dia 7 até a madrugada do dia seguinte”. Ao insistir que
Pedro havia meramente seguido os desejos de todos os brasileiros no
Grito do Ipiranga, e, portanto, “tornou-se digno de reinar sobre os
brasileiros”, a retórica deste festejo oposicionista contestou a
interpretação oficial da Independência. Depois da abdicação de d. Pedro
I, em 7 de abril de 1831, com os Moderados assolados pela ameaça da
violência popular que tomava as ruas do Rio de Janeiro, a Regência – que
assumiu o poder em nome de d. Pedro II, então com cinco anos – se
esforçou para manter as comemorações sob controle. Limitavam-se os ritos
oficiais, e Evaristo da Veiga, o porta-voz dos Moderados, recomendou
que “todos os Brasileiros que amam a pátria, sejam quais forem os seus
princípios políticos” se abraçassem no Sete de Setembro. Não foi tão
fácil manter a ordem, e durante estes anos conturbados as autoridades
reclamavam da atuação dos “agitadores” que provocavam violência contra –
portugueses ou adversários políticos. A morte de d. Pedro I, em 1834,
tirou-o do cenário político e possibilitou seu retorno ao centro das
comemorações como o fundador do Império, o príncipe liberal que deu os
primeiros passos para a liberdade da nação.
Em 1854, durante o auge do Império,
começou a campanha para o monumento a d. PedroI fundido na França e
inaugurado com muita pompa no dia 30 de março de 1862, na Praça da
Constituição, a estátua equestre comemorava tanto a proclamação da
Independência como a Constituição, outorgada pelo imperador em 1824.
Liderada por um grupo de homens intimamente associados a d. Pedro II e
ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a campanha fazia
parte dos esforços do Instituto no sentido de criar uma história oficial
do Império.
Um ano após o começo da campanha da
estátua, fundou-se a Sociedade Ipiranga na cidade do Rio de Janeiro para
“arrancar da indiferença o aniversário da nossa emancipação política”.
Contando com a participação de alguns dos homens envolvidos na campanha
do monumento, a nova sociedade convidou os habitantes a restaurar o
costume antigo de iluminar janelas e contratou bandas de música para
tocar na Praça da Constituição, no lugar onde se erigiria o monumento.
Logo surgiram outras sociedades patrióticas que, como a Ipiranga,
financiaram fogos de artifício, construíram monumentos efêmeros e,
durante alguns anos, libertavam escravos para comemorar o Sete de
Setembro. A imprensa concordou que elas transformaram as comemorações.
Um jornal descreveu “três noites de iluminação, salvas, girândolas e
foguetes a mais não poder, músicas em coretos e pelas ruas, jantares e
reuniões patrióticas”. Em 1859, “milhares de cidadãos de todas as
classes e posições” levantaram-se cedo “para saudarem o alvorecer do
primeiro dia nacional”. Na Praça da Constituição, uma sociedade havia
mandado construir um chafariz representando os quatro grandes rios do
Brasil (o Amazonas, o Prata, o Tocantins e o São Francisco), que
sustentavam um busto de d. Pedro I, rodeado por vinte colunas que
representavam as províncias.
Os jornais enfatizavam que nestes
festejos “populares” não havia nenhum indício dos “anárquicos exageros
de mal-entendido patriotismo”, embora registrassem a prisão de capoeiras
durante as comemorações. A libertação de escravos pela Sociedade
Ipiranga, realizada pela primeira vez em 1856, foi recebida por alguns
como “um pensamento muito nobre”, mas neste mesmo ano corriam boatos
“pelas classes ínfimas” que todos os escravos iam “ficar forros nesse
dia”. Era perigoso demais ligar o patriotismo à libertação de escravos, e
apenas poucos foram alforriados nas comemorações da segunda metade da
década. Só na década de 1880, em plena campanha abolicionista, a
libertação de escravos se tornaria um ato patriótico comum no Sete de
Setembro.
A onda de entusiasmo patriótico diminuiu
tão rápido quanto surgiu. “Triste, desanimado, desceu ao abismo do
passado o primeiro dia brasileiro” em 1862, ano da inauguração da
estátua. D. Pedro II também reparou a “frieza” das comemorações deste
ano, “atento o entusiasmo de há poucos anos”. Já na época da Guerra do
Paraguai (1864-1870), os “ruidosos festejos” eram considerados uma coisa
do passado.
Todavia, a forma das comemorações
mantinha-se inalterada, como demonstra uma crônica em quadrinhos de
1883. Acordado de madrugada pelas salvas de artilharia, o caricaturista
explicou que não pertencia à alta sociedade e, portanto, não foi ao Paço
para assistir ao cortejo. Na Praça da Constituição, viu a estátua
equestre de d. Pedro I embandeirada e os dois coretos construídos na
forma de castelos. Grupos de “brava gente brasileira” se reuniam na
praça, onde um poeta animado recitava versos patrióticos.
Nas décadas de 1870 e 1880, a Sociedade
Comemorativa da Independência do Império coordenava esses festejos,
pagava as bandas, e organizava uma vigília de 24 horas durante as quais o
monumento estava iluminado. Em 1883, “uma formidável massa enchia a
praça”, mas Cari von Koseritz, um viajante alemão, “não compreendeu
realmente o que toda essa gente fazia ali, pois além da iluminação não
havia absolutamente nada a não ser a música”.
Cada vez mais, o monumento tornou-se o
símbolo de um regime a ser criticado. As charges publicadas nos jornais
ilustrados da capital no dia Sete de Setembro chamavam atenção para as
falhas do regime imperial. Mesmo a estátua parecia cansada da retórica
oficial das comemorações. Em 1888, segundo Raul Pompéia, houve pouca
animação. O “louvável empenho dos festejadores” da Sociedade
Comemorativa não inspirou a população; apenas um punhado de “curiosos”
se levantou cedo para ver a alvorada no morro de Santo António e poucos
foram “suar a canícula no saguão do Paço” para assistir ao cortejo.
À medida que o Império entrava em
decadência, também decaía o ritual cívico associado a ele. Já na época
da inauguração da estátua equestre, liberais radicais contestavam a
história oficial da Independência, que destacava o papel do primeiro
imperador. Teófilo Otoni, líder da ala radical do Partido Liberal,
publicamente recusou participar da inauguração, pois a estátua
representava a Independência como “uma doação do monarca”. Ao contrário
disso, Otoni traçou uma história da Independência que passava pela
Inconfidência Mineira, o suplício de Tiradentes, e a revolta republicana
de Pernambuco em 1817. O imperador meramente respondia ao desejo dos
brasileiros pela Independência e, depois, traiu a nação quando fechou a
Assembleia Constituinte em 1823. Depois da Guerra do Paraguai,
republicanos levaram adiante este argumento. Em vez de conquistar a
liberdade no dia Sete de Setembro, lamentou um jornal em 1882, os
brasileiros ficaram sob “o odioso poderio da família brangantina” que
tramou um bem-sucedido “apartamento de bens” em 1822. Rejeitou, com
algum exagero, a “pompa faraônica” do dia Sete e argumentou que uma
comemoração digna da Independência seria a construção de escolas,
fábricas e museus. Não foi por acaso que, para os republicanos,
Tiradentes tornou-se símbolo predileto; em 1890, a Praça da Constituição
mudou de nome para homenagear o inconfidente, com alguns dos mais
exaltados exigindo a remoção da estátua equestre de d. Pedro.
Nas páginas dos jornais e nas ruas da capital do Império, no dia Sete
de Setembro, brasileiros discutiam o significado da Independência. Os
festejos tornaram-se um espaço político onde se lutava pelas
interpretações do passado para influenciar o rumo futuro do Estado e da
nação. Todos (menos os escravos e, em determinadas épocas, os naturais
de Portugal) eram brasileiros e comemoravam a Independência, mas ainda
se discutia o significado tanto de ser brasileiro como o da própria
Independência.
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